Objeto Gritante


"Encarno-me nas frases voluptuosas e inintiligíveis que se enovelam para além das palavras. "Lemos com o corpo todo, nosso corpo linguajeiro, corpo erógeno, pulsional. A relaçao do corpo com a linguagem se dá pela mediaçao exercida pela sensorialidade das palavras. Essa dimensao evocativa supoe corporeidade e desejo. Em sua materialidade significante, o texto se faz carne e o corpo erótico. A escritura é a prova de que o texto deseja o leitor. A escritura é o Kamasutra da linguajem"
É com uma alegria tao profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o máis escuro uivo humano da dor de separaçao mas é grito de felicidade diábolica. Porque ninguém me prende máis. Continuo com capacidade de raciocínio, quero me alimentar diretamente da placenta. Tenho um pouco de medo: Medo aínda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido. O próximo instante é feito por mim? Fazemo-lo juntos com a respiraçao.
Eu te digo: estou tentanto captar a quarta dimensao do instante-já, que de tao fugidio nao é máis porque agora tornou-se um novo instante-já que também nao é máis. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossarme do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles espocam mudos no espaço. Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já. Só no ato do Amor- pela límpida abstraçao de Estrela do que se sente- capta-se a incógnita do instante que é duramente cristalina e vibrante no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si: no Amor o instante de impessoal jóia refulge no ar, glória estranha de corpo, materia sensibilizada pelo arrepio dos instantes- e o que se sente é ao mesmo tempo que imaterial tao objetivo que acontece como fora do corpo, faiscante no alto. Quero captar o meu é. E quero cantar aleluia para o ar, assim como faz o pássaro. E meu canto é de ninguém. Eu corpo-a-corpo comigo mesma.
Agua Viva
Clarice Lispector

1 comentario:

locomotiva2222 dijo...

Cada palavra, cada som, percorre meu corpo, de dentro para fora, de fora para dentro...palavras que arrepían, espiritualidade do Eu en Mim, seduçao da linguajem que ultrapassa o texto, se faz sentido e sentimento...Cada vez que leio e releio Clarice me enrosco, me envolve, me descifra....Minha Gurú!!!!